Certamente se você já viu muitos filmes envolvendo balé saberá o quanto de esforço as jovens fazem e se dedicam para conseguir aparecer na frente da apresentação, ou até mesmo estar numa apresentação, e entrar em grandes escolas do esporte, então pensar num filme que mostre não apenas isso, mas a aceitação de um garoto trans, em processo de mudança corporal na adolescência, tomando seus hormônios, e ainda longe de fazer a operação definitiva, em um meio de inúmeras comparações e tensões. Pois bem, o longa "Girl" trata bem disso, e tinha colocado ele na minha lista da Netflix logo que foi indicado ao Globo de Ouro do ano passado e ganhado diversos prêmios em Cannes, e havia esquecido de conferir, e hoje resolvi pegar para ver, e olha, o longa é daqueles tensos, com uma dramaticidade intensa e cheia de vértices, que vai acontecendo e causando sensações fortes que nem pensávamos em ver num filme, quiçá na vida de alguém, além de uma cena de fechamento daquelas que você começa a sentir pela preparação dela, e torce para não ocorrer, mas o diretor entrega, e meus amigos, você sente a dor tanto física quanto psicológica do protagonista. Ou seja, é um tremendo filmaço, que vai comover muitos, mas mais do que isso, ele serve de exemplo de reflexão, pois muitas vezes julgamos alguns por motivos tão amenos, enquanto outros sofrem com o isolamento psicológico de seu próprio corpo.
O longa nos conta que Lara (Victor Polster) é uma jovem menina de quinze anos, seu maior sonho é tornar-se uma bailarina profissional e, com a ajuda do pai, ela busca uma nova escola de dança para desenvolver sua técnica. No entanto, a menina encontra dificuldades para adaptar-se aos movimentos executados nas aulas por conta de sua estrutura óssea e muscular, já que Lara nasceu no corpo de um menino.
Já disso isso algumas vezes, mas é bem raro um diretor acertar a mão em seu primeiro longa metragem, e aqui temos uma dessas exceções com o belga Lukas Dhont que não só acertou como levou um pacote de prêmios pelo excelente trabalho que fez, conseguindo construir sua narrativa de uma maneira tão intensa, tão viva, tão cheia de momentos chaves perfeitos, que ele acaba nos colocando praticamente juntos da personagem principal, fazendo com que os diversos sentimentos que a protagonista sente sejam passados através de olhares, de gestuais, e principalmente de momentos, pois mesmo que ele não entregue através de falas, vemos os ares nas nuances, vemos tudo presente, além claro de servir para mostrar algo que raramente é falado em filmes, que é o caso das pessoas trans, do seu sofrimento em não conseguir aceitar o corpo, não se ver ali, e ainda no caso do filme, de querer algo que comumente não tem como acontecer naturalmente. Claro que o diretor teve uma boa base real para se inspirar para escrever a história através do que ocorreu com a bailarina Nora Monsecour, e com isso o resultado foi bem além, e assim vale demais a conferida por tantos motivos quanto possa imaginar.
Quanto das interpretações, é fato claríssimo que Victor Polster não deu show, ele fez do filme o seu show pessoal, com uma interpretação tão minuciosa de sua Lara, que chega a arrepiar em diversos momentos, de tal forma que em raríssimas cenas sequer desconfiamos de ser realmente um garoto ali (não havia pesquisado antes se era realmente um menino ou menina), e tirando o fato de mostrar as genitálias em alguns atos (que poderia ser por algum tipo de computação caso fosse uma garota), o ator só precisou de olhares para que seu sentimento e sofrimento fosse passado, ou seja, ele foi incrível realmente. Quanto aos demais atores, tivemos muitas participações praticamente, com muitos jovens que vivem com a garota na escola, no balé, os diversos professores, vários médicos, e tudo mais que possam dar alguma conexão para que o jovem se destacasse ainda mais, porém as atitudes praticamente se vertem somente ao protagonista, e claro seu pai vivido por Arieh Worthalter, que tem bons momentos, consegue transcender cenas com uma boa química com o jovem, e vale muito o destaque.
No conceito visual vemos muito do mundo do balé, com cenas fortes de pés machucados, muita dança, muita precisão de movimentos, tudo ocorrendo em academias e claro na escola, cenas fortíssimas vividas em cada banheiro aonde o jovem tira seus esparadrapos, e tenta tomar um banho sem ser julgado, e claro os diversos atos no apartamento da família e no do vizinho, com algumas festas bem montadas através da simplicidade cênica, mas bem contundentes para cada ato, além claro de alguns atos no trânsito até os médicos ou escolas, que refletiam boas conversas e momentos, ou seja, um filme simples de locações, simples de detalhes cênicos, mas com momentos em locais estratégicos, até claro a cena de impacto fortíssima ao final.
Enfim, é um filme fora do comum, que muitos não verão por preconceito, por cunho sexual e muitos outros motivos bobos, mas que vale certamente parar um tempo para conferir, refletir sobre os casos e se envolver com tudo o que é passado, pois o filme entrega uma das melhores histórias do tipo, e mesmo forçando um pouco, tendo alguns atos meio travados, o resultado ainda sobressai e fica forte na medida certa para ser trabalhado. Sendo assim fica minha recomendação e volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...