Muitas vezes optamos seguir nossa vida por um caminho que não era bem o que queríamos, e geralmente essa "facilidade" que escolhemos acaba nos deprimindo em momentos futuros ao pensar como seria diferente se tivéssemos feito o que era melhor e não fizemos. Pois bem esse pode ser uma das formas de analisar o novo longa da Netflix, "Tigertail", que entrega bem essa ideologia do jovem Pin-Jui que optou por virar um imigrante e ir tentar a vida no país das mil maravilhas que o cinema americano da época entregava casando-se com alguém que nem gostava, mas que tinha dinheiro ao invés de ficar com o amor de sua vida. E é bacana vermos todas as simbologias que a trama nos entrega, toda a sensação de emoção que mesmo não expressando tanto o protagonista consegue nos remeter, e vamos vendo que geralmente os filhos acabam puxando para gente, mesmo que não pareça num primeiro momento. Ou seja, é um filme bem introspectivo, que trabalha a emoção através de poucas atitudes, mas que funciona bastante, pois segura o conteúdo na medida, entrega uma cenografia lindíssima de época com uma fotografia granulada bem marcante (que dá todo o tom antigo para o filme), e que envolve de certa forma até mesmo os que não forem tão acostumados com longas de festivais, pois esse é claramente um filme que veríamos somente em festivais estrangeiros, mesmo sendo um longa "americano", e assim sendo, quem gosta de tramas mais pensantes vale a dica para conferir.
A sinopse nos conta que neste drama multigeracional pungente, Pin-Jui é um jovem operário de Taiwan de espírito livre e empobrecido, que toma a difícil decisão de deixar sua terra natal - e a mulher que ele ama - para trás, a fim de procurar melhores oportunidades na América. Mas anos de trabalho monótono e um casamento arranjado, desprovido de amor ou compaixão, deixam um Pin-Jui mais velho como uma sombra de seu eu anterior. Incapaz de simpatizar com sua filha Angela e correndo o risco de viver sua aposentadoria na solidão, Pin-Jui deve se reconectar com seu passado, a fim de finalmente construir a vida que ele sonhava em ter.
Em seu primeiro longa metragem, após muitas séries, inclusive uma ganhadora de um Emmy, o diretor Alan Yang trabalhou a essência emocional da vida do protagonista, criando algo mais amplo do que mero sentimentalismo, de forma que a história acaba contando bem mais para o público do que apenas os olhares que vemos na tela, e juntado tudo o que sabemos de nossas vidas, nossas reflexões, e até mesmo com o que vamos sentindo pelo que o protagonista passa acabamos moldando o longa em algo bonito e interessante de ver. Claro que a montagem não é dinâmica como poderia, pois ela usa de artifícios para segurar a dramaticidade, e isso é até bonito de ver, temos situações bem encaixadas em cada ato, vamos na mesma onda que o protagonista e seu descaso com tudo, vemos suas vontades momentâneas predominando para no fim da vida ficar pensando se valeu ou não a pena, e claro fazemos os mesmos julgamentos que ele durante toda a trama, ou seja, o diretor não apenas soube fazer o filme encaixado ao ponto dos protagonistas se desenvolverem, como também colocou para o público seguir a mesma linha que ele, e isso é algo bem raro de vermos funcionar, e aqui funcionou.
Sobre as atuações, todos foram extremamente sérios com poucas desenvolturas faciais, pois desde pequeno o jovem garotinho foi doutrinado pela avó para não chorar, nem demonstrar emoção, e isso os atores que seguiram a linhagem fizeram muito bem. Hong-Chi Lee entregou para o jovem Pin-Jui boas sacadas dinâmicas em seu olhar, fazendo dinâmicas bem trabalhadas no começo, porém ao se mudar para os EUA, ele ficou muito duro, quase que uma quebra de paixão por viver realmente, meio como se o olhar dentro do carro tivesse apagado tudo, e isso é o que vê nos frutos de suas cenas, ou seja, ele trabalhou com minúcias dentro do que o roteiro pedia, e assim acertou bastante. Ao passar o bastão para Tzi Ma com Pin-Jui já velho, vemos a continuidade do olhar jogado, a falta de envolvimento, e isso é o que o personagem pedia, mas nas suas cenas junto de Yuan, o ator mostrou a volta da paixão e de tudo o que poderia ter sido a vida do jovem, ou seja, perfeito também. Christine Ko trabalhou sua Angela com olhares jogados, meio como uma cópia fiel do pai, pois mostra o que aprendeu ali, e o resultado é muito bom de ver, mesmo que pareça que ela não teve expressões, mas dentro da proposta da trama, o resultado foi certeiro. Agora se precisavam de uma pessoa inexpressiva para o papel de Zhen Zhen arrumaram uma certeira no começo com Kunjue Li, pois chega a dar desespero, e talvez vemos a partir dela uma contaminação no desânimo do jovem, ou seja, não sei se o papel pedia isso, mas ela abusou e muito. Quanto aos demais, a maioria foi bem espalhada na trama, tendo um ou outro detalhe para chamar atenção, de modo que só valha destacar Yo-Hsing Fang e Joan Chen pelas duas ótimas versões de Yuan como um grande estouro de vida, e Fiona Fu que deu um ar totalmente diferente para a Zhen Zhen idosa, o que descaracterizou um pouco a trama.
Quanto do conceito visual podemos dizer claramente que a equipe de fotografia praticamente brincou com texturas em cima do que a equipe de arte fez, colocando a trama do passado toda cheia de imagens desgastadas, mas ainda assim lindas de ver, com ambientes marcando época como os jovens em barzinhos pobres dançando (que ao final será lembrado pelo protagonista já velho), da corrida em um restaurante chique, da noite de amor num lago cheio de contrastes, ou seja, um trabalho vivo pela alegria, mas com desgastes técnicos mesmo, já na velhice ele já bem de vida, com ambientes mais bonitos, mas com cores secas, sem vida, num tom sempre abaixo, até termos o encontro em um restaurante aonde a vida volta a ter cor, mas é quebrada rapidamente, ou seja, um jogo maravilhoso de tons, de objetos cênicos, de ambientes que fazem o filme ser visto só por ali sem precisar quase que nenhuma palavra para dizer as sensações, ou seja, belo de ver mesmo.
Enfim, é um filme bem denso, que muitos acharão extremamente lento, mas que passa muitas mensagens, que serve para reflexões, e que envolve bastante pela proposta passada. Claro que ele tem muitos defeitos, e o principal é a dinâmica mais calma que não vai pegar em muitos que não conseguirem de cara enxergar o que o filme quer mostrar: que a vida tem algumas escolhas, e nem todas podem trazer um futuro bem marcado, que os filhos seguem posturas dos pais, entre outros, e assim sendo, quem não se conectar com a trama irá odiar ou dormir com o filme, mas do contrário o resultado será lindo demais de ver. Bem é isso pessoal, fica a dica então para quem gosta de um longa mais introspectivo, de reflexões, e eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...