Looke - Piedade

6/20/2020 01:26:00 AM |


Muitos estavam falando que eu não postava nenhum texto de filme nacional durante essa época longe dos cinemas, mas claro que no dia do cinema nacional (19/06) não poderia deixar de ver uma obra inédita do nosso cinema, e colocar um texto sobre "Piedade", que entrega um cinema de essência, de protesto e principalmente de alma, algo característico do cinema não-cômico nacional, e classifico ele assim afinal hoje no país o que não vira uma comédia, recai para romances novelescos ou dramas de essência crítica, e isso não é algo ruim, pois faz refletir em tudo o que passa, tem uma abertura interessante da proposta, e até envolve mostrando a briga pelo pedaço da natureza, do próprio homem pelas grandes empresas que estão destruindo tudo. Ou seja, é daqueles filmes que certamente veríamos em festivais, em sessões de debates e tudo mais do estilo, menos nas salas comerciais, pois mesmo tendo um elenco de peso, muitos torceriam o nariz logo nas primeiras cenas mais densas, e assim, o resultado não chamaria atenção de um público maior.  

A rotina dos moradores da fictícia cidade de Piedade é abalada pela chegada de uma grande empresa petrolífera, que decide expulsar todos de suas casas e empreendimentos para ter melhor acesso aos recursos naturais.

O diretor Claudio Assis tem um estilo bem próprio de trabalhar seus temas, indo a fundo naquilo que acredita, e principalmente nas sensações, algo muito comum em suas produções que geralmente apelam para o olfato dos protagonistas, e para algo mais enraizado de culturas, tanto que aqui ele preza pelas famílias ribeirinhas que vivem da pesca e de bares da cidade fictícia, que quando uma empresa petrolífera passa a atrapalhar o bioma da região fazendo com que tubarões dominem as praias, e empresários comecem a negociar as regiões para melhor uso, vemos os personagens brigando para vender ou não, sobreviver ou não, e claro que nessa briga entram relances de passado, histórias obscuras, e tudo mais, entrando até em um cinema pornô que se sente o sexo pelo cheiro. Ou seja, o diretor brinca com tudo ao seu redor, faz o público questionar até onde se pode dar valor, como não desapegar de algo de herança, e até faz florescer o abuso dos jovens hoje que nem ligam mais para a natureza, podendo ver ela através de uma realidade virtual que não transmite o prazer da sensação tátil, mas ilude, e assim o filme tem seus tons, e chama um público que gosta desse sentimento, mostrando que o diretor acerta bem no desenrolar, mas ainda mantem também sua essência de não ir jamais para o lado comercial do cinema, o que é um risco.

Sobre as atuações, o elenco é de um peso monstruoso do cinema nacional, começando claro com Irandhir Santos com seu Omar cheio de diálogos pontuais, discursando a todo momento para saborear seus motivos de não querer vender o bar e tirar sua raiz dali, vemos grandes atos emotivos seus no cemitério e no cinema, vemos dinâmicas expressivas em tudo o que faz, ou seja, como sempre perfeito só que agora com uma cabeleira imensa. Matheus Nachtergaele vem aqui como um negociador sem escrúpulos chamado Aurélio, que tem palavras para todos os estilos como seu nome diz, que a mãe acredita ser perfeito, mas que esconde sua fama e seus atos ilícitos, ou seja, cheio de estilo, faz cenas fortes e acerta bem no que faz. Cauã Reymond traz para seu Sandro um vértice cheio de símbolos, trabalhando os momentos e os ensejos juntamente com desejos e memórias, encontrando em olhares vagos muitas nuances e deixando no ar tudo o que deseja mostrar, caindo muito bem para o papel também. Gabriel Leone já joga com o ar mais rebelde para seu Marlon, aonde acende toda a gana de protestar, da mídia digital misturada com o grafite, a juventude direta, e tudo mais que caberia para um jovem cheio de ação, e o ator se joga também sem falhas. E claro temos a rainha do cinema nacional Fernanda Montenegro, com uma Carminha doce, cheia de virtudes, com olhares simples e efetivos, sabiamente desenhando sua personalidade como uma anciã do ambiente ali presente, nem tanto se jogando como casualmente faz, mas sendo mais um grande símbolo do cinema, e do acerto no papel que lhe foi dado.

Visualmente a trama brinca com os ataques de tubarões com ataques virtuais, coloca o cinema pornô como um ambiente para transmitir os sentimentos e desejos num lugar privado longe do mundo real, aonde a imagem projeta algo a mais, mistura o ambiente natural com máquinas gigantes exploradoras, e coloca claro as negociações com luxo contrapondo a simplicidade dos alimentos, ou seja, a equipe de arte brincou na tela, e o acerto é preciso.

Enfim, é um filme amplo que tem símbolos por onde quer que olhemos, que muitos irão enxergar de uma forma, outros irão por outro caminho, mas que no fim tudo chega na mesma conclusão, que o cinema nacional é extremamente definido entre comercial e o artístico, e infelizmente os dois não se misturam, inclusive o público, e sendo assim, só posso recomendar esse filme para quem ama o artístico, que vive em festivais, e só, pois qualquer outra pessoa que for conferir irá odiar a trama, e não quero isso de forma alguma para o longa, pois mesmo tendo defeitos como falta de dinâmica, uso de linguagens exageradas jogadas, e outros detalhes simples demais, a realização é linda e bela de ver, e assim vale a conferida. Bem é isso pessoal, eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.

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