Olha, desconheço se existe outro diretor maluco sem ser Spike Lee para ser capaz de colocar em um único filme: traumas de guerra, Vietnã, minas terrestres, drama familiar, humor, e ainda causa panfletária atual. Pois o longa "Destacamento Blood", que estreou hoje na Netflix é daqueles que a cada cena imponente já vamos vendo as indicações aos prêmios aparecendo, e aqui a trama tem um pouco de tudo para que cada categoria das premiações ficasse feliz, desde um roteiro inusitado, uma direção coerente, uma fotografia que remete completamente aos grandes clássicos de guerra, e principalmente uma tensão iminente bem aproveitada com todos os protagonistas, ou seja, um longa gigante (sim, tem 154 minutos, que são bem aproveitados) que envolve, emociona, assusta, diverte e tudo mais. Claro que tem defeitos gigantes que tem de ser penalizados: algumas falhas de continuísmo são fortíssimas (por exemplo em uma cena estão amarrando as pessoas, na sequência todos estão andando com os protagonistas), e uma falha de economia de elenco besta, pois as cenas do passado são mostradas com os atores velhos, e poderiam ter arrumado atores parecidos para fazer os protagonistas jovens, ou então ferramentas de rejuvenescimento digital, pois é estranhíssimo ver as lembranças ocorrendo misturando tudo (alguns irão defender como sendo um estilo de sonho, mas mesmo assim). Ou seja, é daqueles filmes que vamos lembrar muito, que dará o que falar nos próximos dias, e que quem sabe, se tivermos premiações, veremos muitas indicações para ele, pois vale demais.
O longa conta a história de quatro veteranos da Guerra do Vietnã: Paul, Otis, Eddie e Melvin. Acompanhados do filho de Paul, eles retornam ao Vietnã em busca dos restos mortais do líder de seu esquadrão e de um tesouro escondido.
Chega a ser irreal o estilo que o diretor Spike Lee escolheu para seu filme, pois unindo um pouco de tudo sobre a cultura negra na época da Guerra do Vietnã, trabalhando fatos, arquivos, e claro todas as insanidades possíveis de ocorrer numa busca por um tesouro escondido, ele acabou trabalhando um roteiro incrível com uma formatação única, ao ponto de vermos pessoas idosas indo encontrar algo que poderia ou não estar no local que imaginavam ter deixado, mais ainda com essa história apenas de base, ele trabalhou a relação familiar da perda, trabalhou a amizade, e principalmente colocou em xeque toda a loucura traumática do pós-guerra, dando ainda uma nuance ainda mais forte próxima ao final com uma grandiosa revelação. Ou seja, o diretor soube praticamente brincar com conversas em primeiro plano, jogou com cenas chaves, com pedaços de imagens, não seguiu regras de tamanhos de tela, com pedaços em quadros na vertical misturando com o wide tradicional, usou de muitas referências de filmes clássicos antigos, e claro foi panfletário com seu mote negro, e claro contra Trump, e assim o filme ficou ainda mais imponente. Sendo assim, você diria que é um filme perfeito, e eu volto com um quase, pois o diretor errou muito em tentar misturar o passado com o presente, pois nas cenas finais é aceitável o que acontece, mas no miolo colocar os velhinhos atirando em cima do helicóptero, no meio da floresta e tudo mais junto do seu líder foi quase que algo em formato de sonho com erro assumido, pois poderiam ter apresentado as versões jovens de cada um, poderiam ter apelado para computação gráfica que já deu certo em outros longas, mas jamais colocar os atores velhos na guerra do Vietnã, pois ficou falso e ruim demais, além de alguns cortes errados em vários momentos que parecem pulos de cenas, e isso também é uma falha técnica grave, mas que muitos nem vão notar, então vamos dizer que beirou a perfeição, e acertou mais do que errou.
Outro ponto muito bom ficou a cargo do elenco, pois todos se doaram, se divertiram, e foram completamente dinâmicos nos pontos que o filme precisavam deles, indo até além, pois como disse, não era necessário ver os veteranos atores em cenas da guerra no passado, mas foi uma opção do diretor, então vamos relevar nesse primeiro momento. Dito isso, o grande nome que certamente se ocorrer as premiações deva ser indicado como ator principal é Delroy Lindo, pois como o mais surtado com os acontecimentos do passado, tanto na guerra, quanto na família, acabou entregando um Paul insano, que qualquer meia gritaria libera um gatilho completamente forte, cheio de dinâmicas e com entonações tão precisas que chega a arrepiar, além de ter ainda momentos solos com a câmera em sua face praticamente conversando conosco, o que deu um show, ou seja, perfeito em tudo. Clarke Peters é outro que foi muito bem com seu Otis, trabalhando mais um lado simbólico, com desenvolturas mais de negociação, mas sempre bem colocado em cena ao ponto de dar o desenrolar necessário, ou seja, foi correto e acertado no que fez em cena. Norm Lewis e Isiah Whitlock Jr. tiveram menos destaque com seus Eddie e Melvin, tendo o primeiro uma cena impactante e bem forte, mas somente ela e nada mais, deixando bem subjetivo todos os seus atos como secundários. Jonathan Majors até teve cenas mais trabalhadas para tentar desenvolver seu David, mas o personagem é fraco e meio que jogado até chegarmos ao final e descobrirmos um pouco mais dele, ou seja, é o gancho extra que tem de ser carregado para servir, e isso não costuma ser bacana de ver, e o ator também não ajudou muito com poucas expressões. Chadwick Boseman até teve grandes cenas com seu Norm na guerra, foi imponente nos discursos, teve cenas marcantes, mas acabou ficando ruim de estar em cena com os personagens mais velhos, de modo que não pareceu algo real acontecendo, e talvez um grupo mais de sua idade acertaria tanto no filme, quanto ajudaria sua dinâmica, mas ele ao menos fez grandes expressões e caiu bem para o personagem de estilo. Jean Reno teve praticamente duas participações apenas, mas foi cheio de provocações nos diálogos que colocaram para seu Desroche, ao ponto que acabou servindo bem para a proposta mais quente do longa, e sendo assim, agradou bem. Quanto aos demais, temos até que conexões bem usadas com as mulheres da produção, mas que serviriam mais caso a trama tivesse uma abertura maior e não tão fechada no caso dos rapazes, então tanto Y. Lan com sua Tyen misteriosa e cheia de olhares, quanto Mélanie Thierry com sua Hedy estranha e com propósitos que vão além do filme, foram singelas e corretas, mas nada de muito surpreendente, e dos homens tanto vietnamitas quanto europeus, apenas serviram para lutar e nada mais.
Agora a equipe de arte mostrou uma precisão técnica incrível, brincando com cenas no meio da floresta, remontando cenas clássicas de outros filmes na Guerra do Vietnã, trabalhando muito nas mortes fortíssimas com tiros e explosões, fez pedaços de pessoas serem chocantes na tela, trabalhou bons simbolismos para diversos elementos cênicos serem bem destacados, e claro ainda encontrou bons materiais de arquivos para usar nas cenas mais didáticas tanto do começo quanto durante o filme, ao ponto de ficarmos observando tudo em alguns atos e até se perdendo na dinâmica, o que é muito bacana de acontecer, ou seja, foram precisos em tudo. E sem dúvida outro quesito lindo de ver na trama ficou a cargo da fotografia, que achou ambientes prontos para a iluminação dar tons fortes, tons emocionantes, e claro muita coisa que já vimos em outros longas de guerra, mas tudo se encaixa tão bem com a proposta que parece novo, e refresca bem a nossa mente.
Quem quiser gastar um bom tempo depois ouvindo as ótimas canções de Marvin Gaye, alguns depoimentos do diretor, e claro as trilhas originais de Terence Blanchard, foi disponibilizado tudo no Spotify, então claro que deixo o link aqui para um pós-sessão completo, pois é bem interessante de ouvir.
Enfim, é um filme que vai marcar época, que mostra que o diretor está a cada dia mais focado no que deseja mostrar, e que acertou a mão mais uma vez, ou seja, vale muito a conferida mesmo com as falhas que citei acima, ao ponto de até ser quase irrelevante esses detalhes. Então se você gosta de um bom filme de guerra, curte polêmicas, adora ver um drama inserindo pitadas de humor, e ainda está na onda dos protestos mundo afora, vá para a Netflix e confira esse belo exemplar. E eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.
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