Netflix - Guerra de Algodão

2/01/2021 10:39:00 PM |

Sempre que falamos do cinema nacional vem aquela sensação de que não chegamos falando de um drama, de um romance ou de uma comédia em si, já vem colocado como cinema nacional e aí muitas reclamações em cima por não ampliar o ambiente, porém alguns filmes nacionais são realmente cinema de gênero e dá para classificar ele bem colocado em algum estilo, enquanto outros floreiam por tantos elementos que acabam virando uma bagunça completa que sempre recai para algo filosófico e que até consegue envolver, mas não atinge o grande objetivo. Dito isso, a trama de "Guerra de Algodão" até poderia ter ido muito além para mostrar as censuras sofridas por alguns artistas no passado, que acabaram largando suas carreiras por viverem em cidades provincianas que não gostavam dos seus jeitos com as coisas, de famílias que abandonavam eles por algum tipo de vergonha, e tudo mais, mas optou por jogar com a ideia de um desencontro familiar aonde a jovem tenta reconhecer quem é sua avó, o que é a cultura brasileira após anos vivendo fora do país, tentando saber se realmente não é uma gringa, e com cenas abertas demais o resultado não atinge nem um ponto, nem outro, cansando mais do que envolvendo. Ou seja, não é um filme ruim, muito pelo contrário, é bonito ver toda a essência e toda a desenvoltura das cenas, mas não conseguindo ir muito além o que vemos na tela acaba sendo um filme leve demais, que falha por não dar a cara para bater, e isso é um pouco decepcionante.

A trama acompanha Dora, uma adolescente criada na Alemanha que volta ao Brasil contra sua vontade. Quando passa a morar com sua misteriosa avó em Salvador, Dora começa a descobrir a história por trás das mulheres de sua família.

Diria que os diretores Marília Hughes Guerreiro e Cláudio Marques foram coesos no que desejavam passar e até homenagearam bem o período inicial das artes soteropolitanas, pra não dizer brasileiras como um modo geral, aonde muitos artistas até hoje são criticados pela escolha da profissão, pela forma mesmo que implícita de alguns casos aonde a arte acaba ficando em segundo plano e tudo mais, porém faltou para eles apontar o dedo e ir direto na casca da ferida para que isso ficasse forte, pois a ideia de uma formação artística de base para a neta não funciona bem, pois a jovem até começa a se interessar, tem toda a dramaticidade por estar na casa de alguém que nunca sequer viu, tem a mudança de cultura e tudo mais, mas não encaixa com um ferro direto e certeiro, sendo apenas algo aberto demais, que acaba conflitando com a outra ponta e não chegando a lugar algum. Ou seja, é um filme com duas propostas bem amplas para serem discutidas, e isso é algo que critico sem dó em muitos longas nacionais, de não escolher algo para discutir e querer abranger muitas vertentes e acabar não abrangendo nenhuma, e aqui isso pesou para que o filme infelizmente não decolasse, mesmo sendo algo bonito por tudo o que foi colocado em pauta, mas simples demais para chegar mais longe.

Sobre as atuações é engraçado que nenhuma das artistas tentou chamar a responsabilidade cênica para si, tanto que Dora Goritzki trabalhou trejeitos tristes em quase todos os seus momentos, fez alguns atos mais fortes e bem dramatizados, mas não se soltou para a trama, não se impôs nas formas que o filme pedia, e assim sua personagem é quase algo abstrato demais para com o filme, e assim não atinge muito do que poderia ir além. Thaia Perez trouxe para sua Maria alguém misteriosa demais, não se soltando nem para a neta, ao ponto que não condiz com uma artista, afinal como sabemos artistas são mais desinibidos, e aqui inclusive temos uma cena de nudez da personagem, a vemos dançando para o vento e tudo mais, mas não chega na garota para contar quem é ela, não tem meio segundo de bate papo, e mesmo que a garota não quisesse ouvir, ou ignorasse sua presença, ao menos o filme fluiria sem precisar de apenas papeis, cartas e recortes, ou seja, faltou uma atitude da personagem também. Já Thaila Lima foi a responsável por abrir um pouco a cabeça da protagonista, mostrar a cultura negra do país, dar as nuances de vida tanto para sua personagem, quanto para que a protagonista conhecesse e vivenciasse algo a mais, e assim temos boas nuances de sua personagem, e se resultado acaba agradando bastante.

Visualmente o longa foi bem interessante por não usar de lugares tão tradicionais de Salvador, que vemos em tantos outros filmes, novelas e afins, colocando uma casa bem simbólica com diversos elementos cênicos representativos da vida da avó, mostrando filmes e peças que fez, entregando figurinos, cartas e tudo mais que fosse marcante para o período e claro para dar as nuances que mostrassem o motivo de tanto isolamento da personagem, temos ainda cenas com capoeira num parque, a famosa festa de Iemanjá com as pessoas levando flores e oferendas em alto-mar para a divindade, temos cenas para mostrar bem a periferia e os contrapontos culturais que o filme tanto preza, e ainda coloca em pauta um teatro maravilhoso abandonado que soa incrível para a proposta do filme. Ou seja, temos um pouco de tudo na trama, e a direção de arte foi condizendo com o que o texto pedia, deixando claro que o problema dos erros do longa não foi culpa deles, mas sim de não usarem tudo o que poderiam.

Enfim, é um filme que tem uma boa proposta, tem toda a representação simbólica colocada na mesa, mas que por ir para tantos rumos acaba não indo para nenhum, e assim o resultado não empolga, nem emociona como poderia. Ou seja, diria que até recomendo o longa pela essência, mas tenho muita certeza que muitos não se envolverão como o filme desejava, e assim sendo vão mais reclamar do que ficar felizes com tudo. O filme está na Netflix, junto com vários outros que a Vitrine Filmes colocou após irem bem em festivais, mas acabarem não sendo bem lançados propriamente em muitas salas pelo país, então fica a dica para aproveitarem todos, afinal sempre é bom valorizar o cinema nacional. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.


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