O Auto da Boa Mentira

5/01/2021 02:03:00 AM |

Se tem um estilo que metemos paulada direto é a comédia brasileira, pois geralmente entregam ou longas excessivamente novelescos ou pastelões apelativos demais que acabam forçando o riso, mas quando surge algo bom realmente temos de falar e indicar para todos com muita certeza, e certamente o nome dessa vez é "O Auto da Boa Mentira", que usando causos/contos de Ariano Suassuna consegue mostrar com um carisma tão envolvente e gostoso quatro histórias casuais que certamente ouviríamos falar em rodas de contos (assim como já ouvimos o autor falando em suas entrevistas) e riríamos da mesma forma bem passada que os artistas conseguiram transmitir na tela. Ao ponto que poderia ser visto até como um longa de esquetes, afinal as quatro histórias são bem separadas, apenas unidas por serem do mesmo autor e contar com a ideia de que uma mentira bem contada pode mudar completamente uma história toda e as vezes piorar tudo ao redor dela transformando algo que era simples numa tremenda confusão, e assim sendo o resultado soa hilário sem apelações, e olha que tem alguns dos atores que mais costumam apelar nas telonas, ou seja, é conferir e se divertir com toda certeza, pois fazia tempo que um longa nacional não me divertia sem forçar a barra.

A sinopse nos diz que o longa é um filme sobre a mentira. Em quatro contos de Ariano Suassuna, conhecemos um subgerente de RH que é confundido com um comediante, um jovem que não acredita em nada, mas fica intrigado quando ouve um mistério circense envolvendo sua mãe, um gringo que inventa que foi assaltado para se livrar de ir a uma festa e o preconceito com quem nunca foi à Disney.

O mais bacana de tudo é ver que na filmografia do diretor José Eduardo Belmonte já falei mal a beça, já elogiei, voltei a falar mal, mas de uma coisa tenho certeza, aqui ele conseguiu extrair o melhor de tudo que já fez, pegando boas histórias e trabalhando elas com algo que facilmente já vimos outras vezes, como pessoas querendo levar vantagem por algo que lhe aconteceu, ou sendo enganado facilmente por uma pessoa que sabe algo sobre você, ou então quando você mente para se safar de algo e tudo vira uma bola de neve da qual você nem sabe como escapar, com o tanto de vezes que o "jeitinho" casual que todo mundo faz e ao você fazer não dá certo, e claro quando você tenta se enturmar inventando algo e o mundo desaba completamente ao contrário. Ou seja, o diretor praticamente ouviu todos os contos do escritor e amplificou visualmente suas histórias ao ponto que tudo passa a ser contado e nos vemos transportados para as situações, rindo de desespero em alguns casos, e o principal, funcionando como um filme, ou melhor como uma coletânea de curtas, pois a trama completa é sobre a mentira, mas funciona melhor como 4 curtas envolvidos nos depoimentos de Suassuna, e assim o que o diretor e os roteiristas fizeram ficou bem incrível de ver.

Sobre as atuações, no primeiro curta tivemos Leandro Hassum fazendo piada com ele próprio usando a alegoria de que magro ficou sem graça, e ao ser confundido como um comediante famoso seu Elder acaba usando os benesses e também as dificuldades que a fama traz, e o ator fez o seu de praxe trejeito de não estou ligando para nada, que chega a soar até cansativo, mas sem dúvida a inserção de Nanda Costa como Caetana para o fechamento bom desenvolvimento do curta foi funcional demais, afinal a atriz trouxe trejeitos precisos e fortes para o momento, agradando demais, e dando um aumento significativo para o momento. No segundo curta tivemos a sempre direta e bem colocada de trejeitos Cassia Kis com sua Luzia perfeita de mistérios e sacadas para o filho, mas Renato Góes conseguiu trabalhar muito bem seu Fabiano cheio de dúvidas e envolvimentos, se entregando bem para cada ato, e tendo um ar bem emotivo para ser enganado por um Jackson Antunes perfeito como Palhaço Romeu, numa dinâmica tão bem colocada que acaba agradando demais pelo trio completo. No terceiro curta tivemos o americano Chris Mason falando um bom português em alguns momentos de seu Pierce, e cheio de malemolência trabalhando bem suas mentiras em plena favela do Vidigal, que junto de um Serjão Loroza dando seus tradicionais e diretos palavreados encaixou bem ainda na dinâmica de um Jesuíta Barbosa como chefão nervoso do morro arrumando a casa após uma mentira das boas. E no quarto e último curta tivemos destaque apenas para a jovem estagiária Lorena vivida por Cacá Ottoni em meio a uma festa de confraternização de fim de ano cheia de exageros por parte da diretoria vivida por Luis Miranda e Johnny Massaro. Ou seja, um tremendo elenco muito bem conectado com seus papeis, que agradam pela funcionalidade dos personagens em cada momento, e o resultado é a diversão sem precisar de exageros visuais.

Visualmente o longa foi bem trabalhado nos 4 atos, tendo no primeiro um hotel bem criativo com uma conferência rolando cheia de figurantes, e claro com um show de stand up de uma única piada, mas o ambiente em si do quarto, do crime e de todo o envolvimento funciona bem, já no segundo ato temos toda a magia circense de antigamente versus o lado mais jogado e acabado da atualidade, e junto com todo o ambiente de egos até no pós-morte com pessoas querendo jazigos enfeitados demais para se comparar com os demais, no terceiro usaram bem o ambiente favela-tour com bares e festas nos morros para turistas, mas faltou um pouco mais para mostrar o ambiente do chefão, e isso pesou um pouco parecendo que foi apenas na casa de um vizinho churrasqueiro, e no último criaram uma agência de publicidade riquíssima, cheia das tradicionais intrigas e fofocas de bastidores, com uma festa de confraternização clássica com todo o barraco maior possível, ou seja, a equipe de arte precisou trabalhar bem, mas facilmente é notável que foram quatro equipes diferentes, e o resultado aparece na edição final.

Enfim, é um longa que fui esperando algo que me incomodaria demais, afinal coletâneas de curtas costumam entregar um ou outro bom, mas aqui os quatro agradaram bastante e funcionaram muito, ao ponto de como já falei várias vezes divertir sem precisar forçar, e que acaba agradando quem gostar tanto de boas histórias, como de boas sacadas, e isso é algo que falta muito em nosso cinema nacional. Ou seja, recomendo bastante o filme, e fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos.


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