A Mãe

11/04/2022 11:57:00 PM |

O ato de perder um filho e nem saber seu paradeiro para poder enterrar com toda certeza deve ser uma, senão a maior dor de uma mãe, e isso é algo que costumeiramente ocorre nas comunidades mais pobres brasileiras desde muito tempo, e que muitos as vezes acham que isso já mudou depois do fim da ditadura, mas não, continuam aos montes, e o longa "A Mãe" vem trazer essa ode de uma mulher trabalhadora que volta para casa e o filho não aparece por um dia, não aparece pelo segundo dia, e ela sai em busca de informações e conforme vai perdendo suas forças, vai descobrindo aos poucos que provavelmente ele foi morto, já que também não se pode dar muitas informações nesses lugares. Ou seja, é um filme que mostra mais um trabalho expressivo de busca, de desenvolturas da personagem, do que realmente uma trama misteriosa com cenas fáceis de se entregar, que agrada bastante pela essência em si, pela atuação e até mesmo pela coragem do diretor de se embrenhar nesse meio, mas que poderia ser ainda mais impactante com um desenvolvimento mais realista ao invés de simbólico, com algo ficcional talvez mais de entrega e personificação, aonde o impacto chamaria a atenção, mas que de certa forma entrega muito com o pouco exibido, e isso faz da trama algo diferenciado e bem marcante também.

O longa segue a jornada de Maria, migrante nordestina e vendedora ambulante em busca de seu filho Valdo, supostamente assassinado por policiais militares durante uma ação na vila onde mora. Em busca de descobrir o paradeiro do filho, Maria enfrenta diversas adversidades. Ela não tem nenhuma notícia que a ajude a encontrá-lo. Essa tragédia deixa uma ferida profunda na personalidade de Maria, que passa a viver sob a marca da insegurança e da impunidade.

O diretor e roteirista Cristiano Burlan adora se embrenhar na periferia, e contar histórias dramáticas que se desenvolvem ali, tanto que muitos de seus filmes trabalham bem essa estética, e até já documentou como seu irmão foi morto no documentário "Mataram Meu Irmão", e aqui ele trabalha um lado ficcional, mas que pode ser analisado a frio como um vértice das execuções no meio das comunidades, aonde por um simples desacato ou algum pormenor um filho ou um pai não volta mais para sua casa, seja pelas mãos do tráfico ou até mesmo da polícia, e em ambos os casos dificilmente se investiga a fundo, ninguém quer se meter no meio dos dois grupos para tentar dar algum conforto para os parentes, e o que você tem de fazer é apenas seguir com sua vida. Ou seja, a dinâmica é algo que poderia ser bem documentada em algo realista, mas o diretor quis ousar e trabalhar toda a dramaticidade da perda, do não conseguir ajuda, de se fechar no desespero, e com isso ele contou muito com a expressividade da protagonista, que se doou, trabalhou trejeitos, vozes, entonações, e consegue comover com sua busca, que talvez numa montagem diferente impactasse até mais, mas que passa bem a mensagem, funciona e chama a atenção seja em festivais ou comercialmente pela boa desenvoltura.

Sobre as atuações, a base toda é em cima de Marcelia Cartaxo, que se doa por completo para sua Maria, traça sínteses de olhares e envolvimentos duros sem soar falsos, e principalmente consegue dominar o ambiente, pois até temos alguns outros personagens bem encaixados, mas o filme é dela, é a sua busca, é o seu filho, é a sua entonação, e com isso chama a responsabilidade mesmo e entrega tudo o que o diretor precisava para que o filme fluísse e envolvesse, agradando demais. Tivemos também bons atos de Dunstin Farias com seu Valdo, tanto pelo ar marrento, quanto pelas boas canções de hip hop que entona dando a dinâmica para seu personagem, criando um leve vínculo com o espectador para demonstrar sua vida tradicional, ou seja, teve atos bem marcados e foi coerente para com o personagem, não indo tão além pela escolha do filme focar mais na mãe, mas fez bem suas cenas. Dentre os demais, tivemos alguns atos bem estranhos com a mãe do amigo vivida por Mawusi Tulani, tivemos algumas dinâmicas com o amigo bem colocadas em que Rubinho Ferreira mostra ser muito conectado com o jovem, e claro tivemos alguns atos explosivos do traficante vivido por Henrique Zanoni, mas nenhum roubando felizmente o brilho da protagonista.

Visualmente a trama se fecha na casa da protagonista na periferia, várias andanças de ônibus, ida ao IML, idas à polícia, à escola do garoto, alguns atos em bares, mercadinhos e na casa da mãe do amigo, mostrando bem a simplicidade por ali, e claro o dia a dia da mulher sendo completamente mudado de vendas para buscas e desesperos, ou seja, tudo muito singelo, mas que sem grandes abstrações reflete a vida dela, e num outro olhar a vida do garoto sendo quebrada pela polícia.

Ou seja, é um filme denso, interessante, com uma proposta marcante, que passa bem a mensagem, envolve o público e mostra as facetas que infelizmente ocorrem nas comunidades mais populares, aonde nada é investigado, ninguém quer aparecer ou falar sobre o assunto, e vida que deva ser seguida. Como disse, o diretor poderia ter impactado mais com um ar mais ficcional, afinal a trama permitia e pedia isso, mas como ele é um diretor mais de documentários, optou por ser mais realista, e assim o filme flui bem também sem grandes saltos. E claro que recomendo ele, afinal é uma trama premiada, que tem estilo, e chama a atenção, então fica a dica para o lançamento dele nos cinemas de várias cidades em 10 de novembro. E é isso meus amigos, eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.


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