Coração de Neon

3/12/2023 08:38:00 PM |

Costumo falar que hoje com o tanto de séries que o pessoal assiste, a maioria dos diretores e roteiristas perderam o poder de concisão, de modo que acabam fazendo filmes alongados para entregar como um longa-metragem, sendo que a trama funcionaria muito mais como um curta ou média-metragem, e isso é algo ruim, pois quando você joga seu filme num circuito nacional, ele tem de ter algo crível para as pessoas que vão ver em outros lugares, e não apenas na cidade onde foi filmado. Comecei o texto do longa "Coração de Neon" dessa forma, pois é visível que o roteiro da trama quando foi visto pela equipe acabou sendo algo sensacional, cheio de referências aos times e bairros da cidade, às rixas tradicionais, e claro ao estilo de vida das pessoas dali, mas quando passado para frente muito do que aparece na tela é o famoso enchimento de cenas. Não digo que seja um filme ruim, pelo contrário, consegui captar muito envolvimento da produção, cenas bem desenvolvidas, e principalmente passando parte do making of durante os créditos dá para ver todo o trabalho da equipe por trás das câmeras, mas dava fácil para cortar no mínimo uns 20 a 30 minutos do filme que ele ficaria redondinho e com um estilo de trama de vingança e/ou busca por justiça perfeito de ser visto em qualquer cidade do mundo, mas como não ocorreu isso, a maioria que for conferir talvez acabe achando exagerado demais e com cenas desconexas do geral da trama.

A sinopse nos conta que no Boqueirão, um dos bairros mais populosos de Curitiba, o jovem Fernando trabalha com o pai, Lau, em um carro de telemensagem chamado Coração de Neon. Juntos eles sonham em levar o carro até os Estados Unidos. Após uma performance que terminou de forma trágica, a vida de Fernando muda completamente e ele inicia uma jornada alucinante e cheia de reviravoltas em busca de seus sonhos. Assim como na realidade, a história de Fernando passa por altos e baixos, por ação, romance e drama. Por meio de gírias, costumes e cultura local, o bairro de Boqueirão (ou Boquera, para os íntimos) mostra um retrato do Brasil com sotaque curitibano.

Diria que o trabalho do diretor, roteirista, editor e protagonista Lucas Estevan Soares até foi algo bem trabalhado, pois conseguiu fazer uma trama com boas dinâmicas e estilos, sem precisar recair ao lado novelesco do cinema nacional, pois aqui sendo um drama com pitadas de filme de justiça, ele soube administrar o ambiente, mostrar a base de policiais que se acham os maiorais e claro todo o processo de loucura quando um amor não é bem aceito, resultando em tantas tragédias que vemos mundo afora. Porém diria que esse excesso de funções que é comum nas obras com pouco orçamento é um risco gigantesco, pois como falávamos na época da faculdade de cinema, o maior acerto de um roteirista é entregar seu filho (o roteiro) para um bom diretor desenvolver ele melhor, e o maior acerto de um diretor é entregar seu filho (as filmagens) para um bom editor criar ele realmente para que o público entenda e goste do resultado, e aqui ao fazer todas essas três funções (e a quarta de estar na frente das câmeras também), ele não quis cortar cenas que achou importante e que na realidade não eram, e assim seu filme se arrastou um pouco. Ou seja, em outras mãos, talvez o filme ficaria incrível, ou não, mas da forma que resultou acaba não entregando tudo o que certamente ele pensou ao escrever.

Sobre as atuações, aí o problema já é outro completamente diferente, pois o diretor Lucas Estevan Soares caiu até que bem para o personagem de Fernando, teve olhares carismáticos e bem emocionais em cima do carro e de seu pai, mostrando gostar daquela vida, já quando vira de lado para buscar respostas exagerou um pouco nos trejeitos fazendo algumas caras e bocas exageradas, mas que no contexto completo da trama até funciona, ou seja, não fez algo brilhante, mas passou muito bem a mensagem que queria no personagem. Outro que entregou um olhar bem bacana nas cenas iniciais foi Paulo Matos com seu Lau bem direto e envolvente, sendo amplo de sorrisos e direto no estilo que chamou para si. Tivemos ainda atos bem interessantes de Wagner Jovanaci como o policial Gomes, sendo brutão e forte nas dinâmicas, acertando no que precisava fazer. E ainda tivemos bons atos de Ana de Ferro com sua Andressa e Wawa Black com seu Dinho bem colocados na trama e nas dinâmicas com o protagonista. E não posso esquecer da cachorra Penélope Cruz que colocaram um in memorian para ela, e teve olhares e atos muito bem feitos em cena, valendo não terem cortado suas cenas!

Visualmente o carro tem todo um estilo bem bacana para um carro de telemensagem, temos boas cenas na casa do protagonista que vai vendendo todos os móveis da casa para manter seu sonho ativo, vemos bons atos nas ruas, tivemos uma cena de briga de jogo bem trabalhada, mas completamente desnecessária, e claro a casa do policial que é o local da tragédia, de forma que foram bem concisos de locações, mas tudo bem retratado dentro da proposta que acaba agradando de certa forma.

Enfim, é um filme bem interessante que poderia ser muito melhor com poucos ajustes, mas que com toda certeza fez muito sucesso em Curitiba e mostra que o pessoal mais novo está vindo com boas ideias de filmes, sem precisar recorrer ao tradicional estilo novelesco, então fica a dica para quem gostar do estilo para conferir. E é isso meus amigos, eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.


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