Três Mulheres: Uma Esperança (Lost Transport) (Het verloren transport)

4/24/2023 01:03:00 AM |

Filmes que misturam diversas línguas sempre me impressionam, pois vemos pessoas que comumente não se entenderiam de forma alguma envolvidas em situações que precisam ter alguma troca, nem que seja mínima, para se compreender e resolver algo simples, e isso é tão intenso de ser representado que acabamos nos conectando, quase que xingando do outro lado da tela para que sei lá falem uma língua universal, façam mímica ou qualquer coisa do tipo, e o resultado geralmente acaba fluindo, mas bem depois de muitos tropeços. Então o que pensar dos atos finais da Segunda Guerra Mundial, quando alguns dos judeus que tinham valor para troca ficaram presos num trem que parou numa pequena vila alemã e junto chegaram os russos? Três línguas sendo faladas e poucas conexões, mas não para três mulheres de cada ponta, que mostraram muito mais do que uma conexão, mas sim um envolvimento por vezes complexo, por vezes emotivo, mas que sinteticamente se ligaram e isso ficou muito forte de ver no longa "Três Mulheres - Uma Esperança", que pode ser conferido no Festival Filmelier, e que traz tantos sentimentos para o público com boas atuações e uma direção cuidadosa para não bagunçar o time que está ganhando na tela.

A sinopse nos conta que na primavera de 1945, um trem que deportava centenas de prisioneiros judeus fica encalhado perto de uma pequena vila alemã ocupada pelo Exército Vermelho. Condenados um ao outro e em um contexto de profunda desconfiança, desespero e vingança, surge uma inesperada amizade entre a atiradora russa Vera, a aldeã Winnie e a judia-holandesa Simone.

Diria que a diretora e roteirista Saskia Diesing soube ser muito fora do comum com o que fez na tela, pois já disse que filmes de guerra brotam quase que diariamente aos montes nas telas dos streamings e nos cinemas, e a maioria já viu um pouco de tudo do começo, do meio, do fim, mas por incrível que pareça ainda não tinha visto uma versão que mostrasse algo como uma invasão dos judeus e dos russos numa vila alemã como foi o caso aqui, aonde vemos desespero por comida, por remédios, as doenças explodindo, a violência e claro o temor dos alemães ali que nada tinham a ver com a guerra, mas que sofreram com o resultado, e a síntese da diretora foi forte por mostrar em três personagens apenas algo completo daquele momento, fazendo com que sentíssemos a dor da garota alemã sendo abusada, não podendo comer, tendo de servir, e tudo mais, o desespero da russa tendo de defender os dois lados sem pesar, e ao mesmo tempo tendo de matar seja por piedade ou por abusos e tudo mais, e a holandesa vendo o marido doente, a garota doente, não podendo ir embora para sua casa e tentando recomeçar sua vida, ou seja, tudo mesmo com imponentes atos, que fluem e são tão bem desenvolvidos que até gostaríamos de ver mais, mas seria excesso, então foi acertado demais. 

Sobre as atuações, diria que Hanna van Vliet trouxe a holandesa Simone com muita vontade de fazer tudo o que pudesse após sair do campo de concentração, querendo chegar logo na sua casa e viver tudo, e a atriz trouxe essa vida para uma mulher forte, que enfrentou tudo e todos, e com trejeitos marcantes soube ser emocional também nos atos mais tensos, se desenvolvendo do começo ao fim sem tempo para respiros. Da mesma forma Eugénie Anselin fez de sua Vera uma russa destemida, que provou para vários homens de seu país que a guerra não era lugar apenas de homens, e a cena que fala o motivo de estar ali com uma arma em mãos é de arrepiar, e digo mais, é daquelas cenas que atrizes ganham prêmios e indicações, então os produtores falharam muito em não colocar ela, pois fez de tudo em cena e chamou muita atenção com o que fez. A jovem Anna Bachmann fez a alemã Winnie ao mesmo tempo desesperada por vingança, mas também perdida com o que fazer em cena, e isso por incrível que pareça foi muito bom, pois deu virtudes para ela ir se encontrando durante toda a trama, com um final marcante e mostrando uma maturidade cênica ímpar que vai chamar ainda muita atenção no futuro. Quanto dos demais personagens, é claro que vale o destaque para Bram Suijker com seu Isaac totalmente debilitado, mas que arrumou forças sabe-se lá aonde para a cena que um fuzil fica apontado para sua esposa, e ainda teve cenas bem marcantes na casa quando começa a ferver com a febre, e outro que dou destaque é Konstantin Frolov com o médico Alexei, que num primeiro momento é rejeitado pela atiradora, mas quando tem seu carinho retribuído faz cenas bem comoventes.

Visualmente a trama foi bem elaborada ao mostrar a vila sendo tomada pelos judeus e as famílias alemãs sendo praticamente jogadas para fora em uma crítica social tensa, mas que funciona bem, vemos as brigas por comidas, por remédios, os vários judeus mortos sendo enterrados e não sobrando espaço para os próprios moradores da vila no cemitério da cidade, as referências de mapas escolares e a representação de onde vieram (ri muito com a russa colocando fora dos limites), os hospitais de campanha sendo feitos emergencialmente, porém sem remédios ou com cuidados suficientes para a quantidade de doentes, muitas referências no cortar de tecidos ensinando a jovem, o ato dos cortes de cabelos para evitar proliferação da doença, e claro a festa com o fim da guerra unindo todos ali em um ato bem marcante. Ou seja, a equipe de arte fez o dever por completo e chamou muita atenção do começo ao fim com todo tipo de situação sendo bem representada.

Enfim, é um filme que diverte, que comove, que representa bem o ato histórico e que funciona, sendo o pacote completo para ser usado em aula e também para ser visto comercialmente, tendo apenas um ato ruim a ser pontuado que é o começo, pois a representação no mapa foi muito mal feita, com pontilhados e movimentações que quase nem vemos direito (demorei quase que o texto inteiro para ver os risquinhos dos trens), que dava para ser melhorado com animações melhores, mas aí eu já estaria pedindo algo demais para a diretora, então recomendo demais a trama, e fico por aqui hoje, voltando amanhã com mais filmes, então abraços e até logo mais.


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