O Homem Cordial

5/08/2023 11:17:00 PM |

Alguns diretores gostam de ver o circo pegar fogo e se jogar no meio torcendo para escapar, e isso funciona, pois vende bem e chama atenção, mas o risco acaba sendo bem grande de sair queimado. Comecei o texto de "O Homem Cordial" dessa forma simplesmente para enaltecer o risco que Iberê Carvalho correu com sua trama, pois ele não passa pano na ideia completa de sua trama, indo direto no ponto, e isso é incrível, afinal como sempre elogio muitos diretores mundo afora, gosto demais de elogiar o cinema nacional também, e aqui ele foi cru na ideia de muitos que defendem minorias e acabam sofrendo críticas pesadas, ameaças e tudo mais que for possível, acabando por vezes a carreira de alguns, mas isso é um mero detalhe que acontece, afinal o mundo está cada dia mais complexo de entender e agradar a todos, e o seu longa é um soco direto na sociedade hipócrita atual do país que defende alguns, enquanto vira a cara para os demais. Claro que seu novo filme passa bem longe do seu belíssimo trabalho anterior que era uma ode maravilhosa aos mais saudosistas, mas sem dúvida o acerto de escolhas para o momento veio muito a calhar chamando atenção pelas cenas ousadas com câmeras bem próximas dos personagens, sendo algo cru e bem impactante em cima desses que deveriam defender a população, mas que a maioria não faz bem isso.

A sinopse nos conta que Aurélio é vocalista de uma famosa banda de rock que fez muito sucesso até o final dos anos 1990. Na noite de retorno de sua banda aos palcos, viraliza na internet um vídeo que o envolve na morte de um policial militar. Ninguém sabe o que de fato aconteceu, mas o astro passa a ser alvo de grupos radicais. Aurélio, então, se vê inserido em uma tensa e violenta jornada pelas ruas de São Paulo. Durante uma única noite, encontrará figuras importantes de sua carreira e Helena, uma jovem jornalista determinada a descobrir o que realmente aconteceu.

Diria que o diretor e roteirista Iberê Carvalho foi bem ousado na composição textual que fez com o uruguaio Pablo Stoll, pois além de mostrar uma crítica social bem forte em cima de um tema complexo que é a segurança pública misturada com racismo e doses homeopáticas de defesas em mídias sociais para ganhar curtidas, de tal forma que mesmo sendo uma ficção e não tendo embasamento em nenhum grande caso específico conseguimos enxergar muitos atos que pipocaram nos jornais e redes sociais nos últimos anos no país, afinal sabemos bem como foi complexo tudo o que rolou nesse meio com os "defensores do bem". E dessa forma o diretor não quis economizar em atos ousados e bem marcados, misturando um pouco de tudo o que já vimos com uma ideia original e bem trabalhada, que fecha bem cada ato sem precisar de explicações, deixando no ar exatamente o que aconteceu, e o peso das interpretações falando mais alto. Ou seja, diria que é um trabalho perfeito de indignação pessoal que funciona dentro das linhas que pode jogar, que talvez seja muito criticado por não seguir o padrão, mas que agradará muitos que andam indignados também.

Sobre as atuações, diria que sempre gostei mais de Paulo Miklos cantando do que atuando, porém aqui o papel caiu muito bem para ele, e o seu Aurélio lembrou muitos outros artistas polêmicos que se viram acuados, ameaçados e tudo mais ao defender algumas causas nos últimos anos, e ele soube expressar bem, dar a cara para bater, se impor e tudo mais para que ficasse bem realista sua interação, o que acabou marcando bastante suas cenas, ou seja, deu o nome para o papel. Thaíde também teve bons atos com seu Béstia, sendo meio como um personagem de conexão, mas dando bons pitacos e chamando atenção por ser direto como deve ser no papel que fez. Dandara de Morais fez bem sua jornalista-ninja Helena, tendo momentos chamativos, mas que ainda davam para serem mais explosivos, de modo que diria que faltou um pouco de atitude o que acabou compensado por Thales Cabral com seu Rudah mais direto e presente nas cenas mais tensas do final. Ainda tivemos bons momentos com Tamirys O'Hanna como Marina irmã do garoto envolvido no conflito, fazendo interações bem marcadas e diretas, e claro Murilo Grossi como o Sargento que vai causar muita indignação pelos atos finais, além claro de vermos depois todo o ato antes de acontecer a confusão com o garoto Felipe Kenji bem assustado com tudo, e trabalhando bem a expressão clara de muitos jovens numa situação desse estilo. Ou seja, diria que todos atores foram bem usados dentro da proposta, tendo alguns com maior intensidade e outros com atos menos diretos, mas todos bem dentro da proposta. 

Visualmente o longa é bem urbano, cheio de interações, já começando com um show bem cheio revirado com o público tacando coisas nos cantores, vemos depois toda um conflito num restaurante com pessoas atrapalhando a noite dos músicos, algumas cenas em um hospital e já vamos direto para uma comunidade mais simples, caindo para uma boate, algumas cenas num escritório jornalístico bem escondido, e os atos mais fortes num depósito abandonado, além de mostrar também como foi a entrega de roupas que o garoto fez e acabou causando todo o conflito. Ou seja, a equipe foi bem enxuta, sem atos recheados de detalhes cênicos, mas bem explicativo para o público não ficar solto na proposta, de modo que tudo funciona bem, só teria um ponto a criticar: a fotografia bem escura, que embora funcione na proposta por seguir de perto o protagonista, acaba tendo alguns atos que quase não distinguimos bem os personagens, de modo que dava para dar uma compensada com luz falsa para melhorar um pouco e ainda continuar com toda a tensão, mas não é nada que atrapalhe.

Enfim, é um tremendo filmaço nacional, cheio de críticas e dinâmicas bem contextuais com o mundo atual, que não sei se chegará em todas as cidades nos cinemas, mas que muitos devem ver para saber que muitas vezes é melhor não se envolver em uma polêmica, pois nem sempre (ou melhor quase nunca) a justiça favorece o lado mais fraco da corda. E é isso pessoal, recomendo a todos que vejam assim que chegar nas suas cidades e/ou nos streamings mais para frente, e claro agradeço o pessoal da assessoria pela cabine de imprensa, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.


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