O Mensageiro

8/18/2024 12:59:00 AM |

Teve uma época que quase todo mês aparecia filmes da época da ditadura militar que cheio de nuances densas conseguia fazer com que o público ficasse mais tenso do que com alguns filmes de terror, e hoje com "O Mensageiro" diria que a diretora fez uma trama que até tem uma ideia pesada em cima da conexão entre a mãe de uma presa e um dos soldados do quartel aonde ela estava presa, mas que desenvolveu tantos atos abertos dentro da mesma história, que acabou virando uma novelona leve demais para o estilo. Ou seja, a trama ainda tem a presença de denúncia de que até hoje a maioria dos torturadores da época não foram julgados no país, mostra como além de torturas físicas (que felizmente não são tão mostradas no longa), a tortura psicológica também era algo em evidência, e ainda coloca como ponte dois lados do mesmo ambiente, a de uma mãe desesperada para saber de sua filha, e um jovem soldado que foi apenas alistado para trabalhar na época e que tendo traumas das torturas que viu não consegue se conectar tão forte com outra pessoa fora do meio. Claro que dava para ser mais fechado e intenso, porém a diretora quis trabalhar muitos vértices e acabou se perdendo um pouco na ideia toda, ao ponto que até é interessante ver tudo o que é colocado na tela, mas acabou desfocando demais no que desejava mostrar, e isso pesou um pouco no resultado final.

A história gira em torno de Vera, uma jovem que, em 1969, é presa em uma fortaleza militar devido ao seu envolvimento político. Durante seu encarceramento, ela conhece o soldado Armando, um jovem de origem rural. Diante das crueldades e torturas que presencia, Armando aceita levar mensagens de Vera para sua família, o que o aproxima de Maria, mãe de Vera. Apesar das profundas diferenças sociais e de origem, uma relação afetiva improvável começa a se desenvolver entre o soldado e a mãe da prisioneira. O filme explora essa conexão, mostrando como, em meio aos horrores da repressão, é possível encontrar momentos de humanidade e solidariedade. Anos depois, Vera, agora com 70 anos e professora universitária, reflete sobre política, perdão e as lições de Hannah Arendt em suas discussões com os alunos, mostrando como as marcas do passado ainda influenciam o presente.

A diretora e roteirista Lúcia Murat tem como base na maioria de seus filmes o desenvolvimento da época da ditadura militar, e em cada um de seus filmes ela permeia estilos que consegue passar sua mensagem, mas que muitas vezes a maior reclamação que particularmente sempre coloco é que necessita de uma leitura maior para entrar realmente no clima, porém aqui ela fez algo até literal demais, aonde tudo o que desejava mostrar está colocado na tela, talvez não num estilo linear que daria mais visão, ou talvez brincando com flashbacks mais bem dimensionados para agradar, de forma que tomou alguns caminhos meio que tortuosos na montagem, e histórias demais para que o eixo fosse quebrado sem ficar focado demais. Ou seja, dava talvez para o foco ficar mais denso, mas como quis trabalhar a história do jovem soldado fora do quartel com sua amada aonde via outras coisas em seu rosto, quis trabalhar a nuance de padres e estrangeiros que não seguiam a linha do país, quis dar toda a essência dos diálogos com a família da presa, e ainda assim mostrar também um pouco do que rolava nos quarteis, que tendo tudo isso acabou dando margem para o estilo virar novela, o que é uma pena, pois dava para o longa ser mais fechado e intenso.

Quanto das atuações, Shico Menegat trabalhou de uma forma marcante seu Armando, sendo expressivo e denso de trejeitos, conseguindo por vezes demonstrar estar de um lado e do outro, não se fechando totalmente como um soldado violento, mas conseguindo esboçar algo a mais com seu personagem nos dois meios, e isso embora seja algo que mexeu com a cabeça do personagem, mostrou que o ator sabe segurar bem a dinâmica. Outra que trabalhou muito bem sua personagem foi Georgette Fadel com uma Maria imponente, cheia de personalidade, e claro, muita força de vontade para enfrentar vários militares, conversar com parentes e amigos de alto escalão tentando localizar a filha, e a atriz trabalhou suas cenas sempre com um ar íntegro e aqueles famosos sorrisos que você tem de fazer mesmo com vontade de chorar, mostrando um tom bem marcado e interessante de ver. Valentina Herszage também foi bem direta nos trejeitos de sua Vera em diversos momentos diferentes, conseguindo criar ambientações e olhares amplos sem precisar explodir na tela, mas acabou ficando meio que em segundo plano na trama, o que aparentemente não era a ideia da diretora, já que no fechamento ela volta em outra época para usar a dimensão da personagem sobre o passado. Tivemos ainda outros bons atores, mas que também não tiveram seus personagens tão bem usados, como Floriano Peixoto como o pai da garota e Javier Drolas com seu Padre João, tendo entre os secundários um maior destaque para Beatriz Barros com sua Marialva e Higor Campagnaro como o soldado João, mas também sem grandes atos marcantes.

Visualmente a trama até tem bons atos, mas os ambientes poderiam ter sido melhor trabalhados na tela para representar mais o ambiente, de forma que tudo pareceu arrumado demais em cena, claro tendo alguns bons elementos marcantes da época dentro da casa dos pais da protagonista, alguns figurinos também bem escolhidos para o estilo dos anos 60, porém faltou uma presença mais marcante nas cenas dentro da fortaleza, parecendo ser algo meio mais com cara de museu do que uma prisão realmente, mas que não chega a atrapalhar tanto o desenvolvimento do filme.

Enfim, é um filme interessante, que tem pegada e que representou bem um pouco do que aconteceu nos anos 60, aonde muitos acabaram como presos políticos e alguns tiveram essa "sorte" de ter algum soldado "menos" ruim para conseguir contato com os familiares e "ajudar" nas possíveis comunicações. Claro que é uma obra fictícia baseada em muitos acontecimentos da época, mas dava para ter sido bem mais forte e impactante, o que vai talvez não chamar tanta atenção do público atual dos cinemas. Sendo assim deixo a recomendação de conferida mais para uma reflexão sobre os textos finais do longa, aonde falam sobre os julgamentos dos torturadores comparando com a ditadura argentina aonde quase todos foram julgados, e aqui praticamente nenhum, mas no contexto cinematográfico o longa poderia ter ido mais além. E é isso meus amigos, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais dicas, então abraços e até logo mais.


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