quinta-feira, 24 de outubro de 2024

O Quarto Ao Lado (The Room Next Door)

Costumo dizer que para conferir um filme de Almodóvar tem de estar disposto a entrar no clima verborrágico de nível máximo e ser adepto à discussões que muitas vezes são importantes para reflexões, mas que muitos não gostam de conversar, e isso é algo que por vezes acaba sendo extremamente cansativo ou então quando o diretor está inspirado acaba fluindo de uma forma tão fácil na tela que você nem vê a hora passar, apenas esperando o desfecho. E felizmente o novo longa do diretor, "O Quarto ao Lado", que ganhou o Festival de Veneza desse ano é um exemplar dessa segunda opção, pois discutindo ao mesmo tempo a possibilidade da eutanásia, o conflituoso mundo da dor de tratamentos de algumas doenças, o caos climático atual e ainda permitindo colocar em pauta as diferentes guerras que uma pessoa pode enfrentar e vivenciar, acabamos ficando quase que íntimos das duas amigas para sentir seus problemas e viver alguns dias de boas conversas num hospital e numa casa de campo. Ou seja, é um dos filmes mais simples do diretor, mas que trabalha temas polêmicos e entrega atos bem diretos na tela, ao ponto que até achei que iria me cansar lá pelo miolo, mas como é dinâmico, o funcionamento das conversas agrada e faz pensar como seria se um amigo pedisse para você fazer a mesma coisa.

O longa apresenta as jornalistas Ingrid e Martha, que foram muito amigas na juventude, quando trabalharam juntas na mesma revista, mas que passaram longos anos sem manter contato. Ingrid se tornou escritora de auto ficção, já Martha virou correspondente de guerra, e ambas trilharam carreiras muito bem sucedidas. As circunstâncias da vida e o trabalho desafiador de Martha, acabaram causando um afastamento natural entre as duas. Assim como gerou ressentimentos entre Martha e sua filha: ela nunca perdoou a ausência da mãe, que sempre preferiu se dedicar mais ao trabalho. Até que a descoberta de uma doença terminal, muda completamente a vida da jornalista de guerra, e aproxima novamente as amigas. E em meio a uma situação extrema, de vida e morte, Ingrid e Martha também se veem diante de um dilema moral.

Muitos estavam apreensivos por esse ser o primeiro longa do diretor e roteirista Pedro Almodóvar inteiro em inglês, mas com duas talentosíssimas atrizes dialogando sobre a morte, sobre o passado e tudo mais, ele conseguiu fazer com que os temas fortes ficassem leves e bem colocados, ao ponto que facilmente seu filme poderia virar uma peça teatral daqui alguns anos sem perder uma gota da qualidade que fosse, pois o ambiente em si é bonito, o barulho dos pássaros, mas a base mesmo é o diálogo e o roteiro bem encaixado dentro da ideia completa, afinal uma correspondente de guerra perdendo para a principal guerra da vida, e uma romancista que tem medo da morte acompanhando a amiga em algo que vai causar uma morte tinha tudo para dar conflito, mas brilha demais pelo estilo bem colocado na tela.

Sem dúvida alguma a escolha das protagonistas definiu o acerto do longa, pois Tilda Swinton tem toda a personificação visual de uma mulher que está brigando com o câncer, e seus trejeitos amplos chamaram completamente a discussão de sua Martha para cada ato entregue na tela, de tal forma que o filme funciona totalmente ao seu favor, e a atriz acaba dando show com suas ideologias e entregas, fora que aparece ao final com sua versão mais rejuvenescida como a filha. Não por menos Julianne Moore se jogou para uma Ingrid cheia de nuances, totalmente interessada na amiga, disposta a ir fazer o seu maior medo que é a morte e trabalhando bem os trejeitos emocionais e dinâmicas bem de amigas mesmo conseguiu segurar seus atos com uma precisão incrível na tela. Ainda tivemos alguns momentos com John Turturro com seu Damian, ex-namorado de ambas as mulheres no passado, e Alessandro Nivolla como um policial religioso e reclamão, mas sem grandes atos, afinal o longa é das mulheres.

Visualmente como já disse o longa poderia se passar em um teatro bem facilmente, pois o valor da trama está nas protagonistas e nos diálogos, mas vemos um quarto de hospital bem arrumado, um apartamento simples e um outro apartamento bem bagunçado que a escritora ainda está arrumando, mas depois quando as duas vão para a casa que alugou no campo, aí o luxo visual é algo muito bonito, em meio a natureza, com pássaros e diversos momentos numa espreguiçadeira, além de vários filmes antigos na TV, com destaque usado para o fechamento do longa como uma reinvenção da famosa frase de neve do ganhador do Nobel Jon Fosse.

Enfim, é um filme de Almodóvar, então não tinha como dar errado, sendo daqueles que quem gosta vai amar, e quem não gosta é até capaz de curtir toda a essência reflexiva, então acaba valendo a dica para ir conferir nos cinemas (ou quando sair para locação!). E é isso meus amigos, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais textos, então abraços e até logo mais.


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